Por que é tão difícil guardar dinheiro? O cérebro, as emoções e as decisões financeiras

Guardar dinheiro parece simples — é só gastar menos do que se ganha. Mas por que, então, isso é tão difícil na prática? A resposta está no cérebro. Tomar decisões financeiras envolve muito mais do que matemática: é uma dança complexa entre emoções, memórias, recompensas e autocontrole.

A seguir, você vai entender como o cérebro decide, por que gastamos mais do que deveríamos, e o que fazer quando o impulso de comprar fala mais alto que a razão.

O cérebro decide: como funciona o processo de tomada de decisão?

Toda decisão — inclusive a de comprar algo ou guardar o dinheiro — começa com um estímulo. Pode ser ver uma promoção irresistível ou lembrar de algo que desejamos há tempos. A partir daí, várias regiões cerebrais entram em ação:

  • Sistema límbico (especialmente a amígdala): responsável pela emoção e desejo imediato.

  • Córtex pré-frontal (OFC e vmPFC): calcula os prós e contras, ajuda a planejar e inibir impulsos.

  • Hipocampo: acessa memórias passadas que influenciam a decisão atual.

  • Circuitos dopaminérgicos: sinalizam a expectativa de recompensa.

Essas áreas formam uma rede que avalia opções, simula cenários futuros e escolhe o que fazer. Só que esse sistema nem sempre joga a nosso favor. Quando estamos ansiosos, cansados ou emocionalmente sobrecarregados, o cérebro tende a priorizar a recompensa imediata, mesmo que isso comprometa nosso futuro financeiro.

A armadilha emocional: suas emoções controlam suas decisões.

Guardar dinheiro exige paciência e planejamento — duas habilidades cognitivas que envolvem o córtex pré-frontal, uma região que amadurece lentamente e é sensível ao estresse.

Quando estamos sob forte carga emocional (como ansiedade, frustração ou até euforia), o sistema límbico pode “dominar” a decisão. Isso nos leva a comprar para aliviar desconfortos ou celebrar vitórias, mesmo quando sabemos que seria melhor economizar.

Além disso, a dopamina — neurotransmissor ligado à motivação e prazer — aumenta nossa vontade de consumir quando antecipamos uma compra desejada. Ou seja, o próprio cérebro nos “recompensa” antes mesmo de gastar, dificultando o autocontrole.

Por que gasto demais, mesmo sabendo que vai fazer falta depois?

Alguns dos principais motivos têm base comportamental e neuropsicológica:

  • Aversão à perda: sentimos mais dor ao perder R$100 do que prazer ao ganhar R$100. Isso pode nos levar a decisões impulsivas para evitar frustrações, como comprar logo para “não perder a oportunidade”.

  • Baixa percepção do “eu futuro”: quanto menos conseguimos visualizar nosso futuro com clareza, menos inclinados estamos a fazer sacrifícios agora por um benefício distante.

  • Fadiga decisória: depois de muitas decisões ao longo do dia, nossa capacidade de escolher bem se esgota. Isso nos torna mais impulsivos — inclusive nas finanças.

Como posso superar a vontade de gastar e melhorar minha relação com o dinheiro?

Aqui vão algumas estratégias baseadas em neurociências do comportamento humano:

Visualize o futuro
Estudos mostram que imaginar você mesmo no futuro (mais velho, em outra fase da vida) ativa áreas cerebrais que aumentam a paciência e a disposição para poupar. Exercícios de planejamento a longo prazo, com metas realistas e conexão com valores pessoais ( construir uma família, casar, comprar uma casa, comprar um carro, fazer uma viagem), podem contribuir nesse processo.

Regule suas emoções antes de decidir
Respire fundo, espere 10 minutos antes de fazer uma compra, ou faça uma caminhada rápida. Pequenas pausas reativam o córtex pré-frontal e reduzem o domínio emocional.

Crie regras automáticas
Débito automático para investimentos e poupança reduz o peso das decisões e protege você dos próprios impulsos. Quanto menos você precisar pensar, menor a chance de se sabotar.

Educação financeira e economia comportamental
Não basta entender números — é preciso entender suas emoções. Reconheça padrões: você gasta mais quando está ansioso? Usa compras como recompensa? Isso é o primeiro passo para a mudança.

Conclusão: decidir é emocional — mas o cérebro pode ser treinado

Você não gasta demais por falta de caráter ou disciplina. Na maioria das vezes, está lutando contra sistemas cerebrais projetados para priorizar o agora. Entender como seu cérebro funciona é o primeiro passo para transformar suas decisões — não só financeiras, mas de vida.

Se você sente que precisa de ajuda para identificar padrões, lidar com impulsos ou enfrentar os desafios emocionais que envolvem suas decisões, saiba que não precisa passar por isso sozinho(a). Como psicóloga, posso te acompanhar nesse processo com acolhimento, estratégias personalizadas e compreensão dos caminhos do seu cérebro.

Referências:

Frydman C, Camerer CF. The Psychology and Neuroscience of Financial Decision Making. Trends Cogn Sci. 2016 Sep;20(9):661-675. doi: 10.1016/j.tics.2016.07.003. Epub 2016 Aug 5. PMID: 27499348. 

Pearson JM, Watson KK, Platt ML. Decision making: the neuroethological turn. Neuron. 2014 Jun 4;82(5):950-65. doi: 10.1016/j.neuron.2014.04.037. PMID: 24908481; PMCID: PMC4065420.

Novos Posts

Scroll to Top